A simbiose entre o velho e o novo Felipão
A “Família Scolari” de 2002 trouxe de volta ao Brasil a hegemonia no futebol. A Copa do Mundo conquistada na Ásia diante da Alemanha teve como principais destaques a defesa, que foi ficando cada vez mais consistente ao longo da competição, homens de meio que davam suporte para o ataque brilhar e o trio ofensivo formado por Ronaldinho Gaúcho, Rivaldo e Ronaldo. Além, é claro, do comandante daquele grupo: Luiz Felipe Scolari. A Seleção fez 100% de aproveitamento e o penta veio com autoridade.
Estou lembrando este título por dois fatores: um óbvio, é a coincidência de datas que uniu o mesmo técnico comandando a mesma seleção em uma final. No dia 30/06/2002, Oliver Kahn buscou no fundo das redes dois chutes precisos de Ronaldo. Exatamente onze anos depois, o Fenômeno estava no estádio, como comentarista, mas quem enfrentava mais uma decisão com a Canarinho era Felipão. Maracanã cheio para um Brasil e Espanha que prometia ser sensacional.
A Seleção de 2002 conquistou o Mundial sendo consistente dentro de campo, jogando com garra e tendo um ambiente familiar fora dele. Scolari conseguiu unir aquele grupo em prol de um objetivo maior e todas as forças convergiram para que o foco principal fosse atingido.
Agora, o outro fator: onze anos depois estava assistindo ao apenas mediano “O Grande Gatsby”, novo filme de Leonardo Di Caprio, quando um diálogo me chamou a atenção. Dizia: “Nós não podemos repetir o passado”, falou desesperado o amigo do protagonista, escutando como resposta: “Sim, nós podemos”.
A reação do personagem foi a mesma de grande parte da crônica esportiva quando Felipão foi anunciado como o novo técnico da Seleção depois da queda de Mano Menezes. E argumentos convincentes foram apresentados, como o momento ruim do técnico, a necessidade de modernizarmos o nosso futebol para concorrer com as principais forças mundiais, além de um carimbo de ultrapassado na testa de Scolari, este deveras precipitado.
Eu não entrei nesta onda pessimista, muito menos no otimismo. Limitei-me a dizer que Felipão não é o tipo de profissional que deve ser subestimado. Ele, nas primeiras coletivas, afirmou que era obrigação brasileira ganhar a Copa do Mundo em casa. Refutou qualquer comparação com grupo de 2002, mas, ao dizer que era muito possível ganhar o título, retrucou o “não podemos repetir o passado” da crítica com um simbólico “sim, nós podemos”.
Scolari, mesmo com seu estilo ranzinza, tem um carisma inegável e uma imagem justa de vencedor atrelada à sua personalidade. Prova disso é que sua contratação teve aprovação de grande parte dos brasileiros. O Bigodudo cativa. Claro que quando digo repetição dos fatos é em relação à conquista da taça. Agora o Mundial será no Brasil, o futebol passa por outro momento. É um diferente contexto histórico, mas o comandante é o mesmo.
Se no campo o técnico tem que se modernizar e escalar conforme o panorama atual do esporte, fora dele a essência pode ser a mesma que deu certo onze anos atrás. Scolari é mestre em criar ambientes favoráveis à conquista de títulos. Por mais que seja clichê falar, ele transforma o grupo em uma família. Com seu jeitão de nono italiano, o treinador cativa e comanda seus atletas. Ganha os jogadores ao defendê-los diante da imprensa e opinião pública e cobra com muita veemência internamente. Sabe a hora de xingar, mas também a hora do afago. Um paizão chato, podemos resumir assim.
Depois de algumas semanas juntos, o ambiente entre os atletas foi ficando cada vez mais saudável. Felipão permite uma aproximação, sem exagero, dos familiares, sempre uma força a mais. O técnico sabe mexer com o brio. Paulo Vinicius Coelho, na ESPN, relatou que os jogadores estavam falando entre si sobre os jogos mais do que de costume. A resenha não era só sobre mulher, música e novela, mas sim como marcar Xavi e Iniesta.
O técnico, por vezes, demonstra certa informalidade, quando toma chimarrão com os jornalistas. É uma situação rara nos dias atuais, em que somos cercados por assessores e bajuladores dos atletas e treinadores. A imprensa ficou distante dos protagonistas do espetáculo, é tudo muito blindado. Mas uma boa roda de chimarrão tem o dom de deixar as relações mais humanas.
A mudança de postura dos jogadores foi algo essencial. Compraram a briga junto com o comandante e entraram em campo cheios de vontade. E esta raça mostrada nas quatro linhas cativou o torcedor. Nas arquibancada por onde passou o Brasil, o torcedor abraçou a causa e incentivou como se não houvesse o amanhã. Voltamos a ter uma torcida identificada com sua Seleção. É inegável o mérito de Felipão nesta mudança completa de atmosfera que vimos neste último mês.
Dentro de campo, o “ultrapassado” Felipão me parece moderno quando opta pelo atual 4-2-3-1. O que Mano Menezes não conseguiu fazer nos Jogos Olímpicos de Londres, Felipão trouxe de volta na Copa das Confederações: ambiente saudável fora e tentativa de imposição do futebol dentro de campo.
Aqui cabe um parênteses importante. Pode se discordar da forma como Felipão vê o futebol, mas, agora que chamaram o homem, deixem ele trabalhar conforme suas convicções. Ou seja, o cinco mordedor e o centroavante fixo, para focar nos aspectos mais debatidos de sua escalação.
A Seleção oscilou, é verdade, mas foi ficando cada vez mais competitiva e consistente durante a competição, culminando em uma apresentação histórica diante da Espanha, justamente reconhecida como uma belíssima seleção. E não é a derrota de domingo que apagará isso. A Fúria segue sendo um baita time. Falando sobre a peleja, o Brasil alternou marcação voraz no campo ofensivo com momentos de recuo estratégico. E, com a bola nos pés, coragem e talento para atacar. Com um padrão tático definido, possibilitou que as individualidades brilhassem. Neymar nunca atuou com tanta segurança com a camisa amarela. Isso é obra de seu talento, claro, mas também um coletivo mais organizado.
Felipão acertou antes, durante e depois da Copa das Confederações. Na entrevista, ainda no campo, após o título incontestável, o técnico deixou claro que a conquista é importante, dá confiança para o seguimento do trabalho, mas que a Copa do Mundo é que será o grande foco do seu trabalho. Tratou de celebrar, mas de frear a euforia. E assim confio na seriedade do trabalho até 2014, o que possibilitará ao Brasil chegar com grandes chances de faturar a taça. É a simbiose entre o velho o novo Felipão dando certo mais uma vez.
Óbvio que Scolari tem defeitos, já falamos e falaremos sobre eles muitas vezes, mas, depois de tanta crítica, algumas exageradas, o Doentes por Futebol rende a sua homenagem ao nosso técnico, campeão do mundo em 2002, e que fez renascer com ainda mais força o sonho do Brasil de conquistar o Mundial em sua casa. Aguardemos, entre uma roda de chimarrão e outra, os próximos capítulos.