Formiga e um difícil adeus

A lenda do nosso futebol se despede da amarelinha

Quando se pensa em Seleção Brasileira Feminina, Miraildes Maciel Mota é uma das jogadoras que se destacam em nossas mentes. Talvez não saiba de que sem trata pelo nome, mas com certeza o apelido “Formiga” é bastante conhecido.

O apelido não é por acaso. Surgiu por sua entrega e dedicação dentro de campo. A exemplo do pequeno inseto que trabalha incessantemente para ajudar as suas semelhantes, a nossa jogadora é referência no meio-de-campo, um porto seguro para que suas companheiras possam tampem executar suas funções com qualidade.

Miraildes

Foi no dia 3 de março, no ano de 1978, que nasceu a nossa Miraildes, em Salvador, na Bahia. Única filha de Dona Celeste, entre seus cinco filhos. Não conheceu o pai, que faleceu quando ela tinha 8 meses de vida. Foi criada no bairro de Lobato, na capital baiana.

Sempre foi bastante discreta, mas jamais deixou de lutar por suas convicções, principalmente em prol do futebol feminino, sua paixão desde criança.

Guerreira

Quando nasceu, o futebol ainda era proibido para as mulheres. Mesmo que no ano seguinte, em 1979, a lei que impedia isso houvesse caído, ano depois ela sofreu com as consequências de suas escolhas. Quando começou, aos 12 anos, mesmo na família precisou lutar contra as dificuldades. Seus irmãos não aceitavam que ela jogasse bola, nem mesmo nos babas (as peladas, como chama em Salvador) da rua.

Ela contou em entrevista ao Podcast Podpah:

“Apanhava dos meus irmãos, eles não aceitavam que eu jogava bola de jeito nenhum. Por duas situações: por ser melhor do que eles e pelo lado do machismo. Passando os anos eles falaram que não era machismo, mas por preocupação, já que eu era uma mulher no meio de muitos marmanjos. Foi complicado demais, só Deus sabe o quanto eu sofri na mão desses dois (dos irmãos)”, contou a atleta.

“Mas aí, quando chegava em casa, eu apanhava dobrado. Por ter desrespeitado a ordem de não sair pra jogar e por ter jogado melhor que eles. O que para eles poderia parecer uma humilhação, para mim era só diversão. Eu não queria provar que era melhor que ninguém. Eu queria jogar bola e mais nada.”

“A cada vez que apanhava, eu engolia o choro e ia jogar de novo. Eu não desistiria tão fácil, apesar de todo preconceito que sofria.”

Hoje ela não guarda mágoa dos irmãos. Hoje eles vibram o sucesso dela.

Mas este foi só o início de sua luta.

Eu tive que ralar muito para conquistar meu espaço e provar quem eu era. Não somente como jogadora, mas também como… Miraildes Maciel Mota. Mulher. Negra. Nordestina. Lésbica. E, acima de tudo, como uma pessoa que nunca pensou em fazer outra coisa que não fosse jogar futebol.

E hoje Formiga é exemplo de superação, de garra e força de vontade. Formiga é exemplo de vida não só para todo amante do futebol, mas para todas as pessoas.

Futebolista

Dona Celeste jamais deixou de acreditar na filha. Apoiava-a mesmo quando todo iam contra. Formiga sofria preconceito na vizinhança, quando a chamavam de “maria-homem”, ou dizima que ela engravidaria se ficasse tanto no meio dos meninos.

Foto: Sam Robles | CBF

Foi então que uma mulher chamada Dilma, amante do esporte, mas que jamais pode ser jogadora por conta da lei que a impedia, viu o talento de Formiga e a levou para jogar no futebol feminino.

Nesta época que o apelido surgiu, com um torcedor a chamando de “formiga” vendo a forma como atuava em campo. No começo, ela confessa, não gostava muto, mas o apelido pegou e hoje é motivo de orgulho.

Profissionalmente, Formiga começou em 1995 no São Paulo e fez parte do grupo que, ao lado de outras lendas do Futebol Feminino, Sissi e Kátia Cilene no primeiro título da história do futebol feminino do Tricolor conquistou os primeiros títulos do tricolor, a Copa do Brasil e o Campeonato Paulista em 1997.

Passou por diversos times do Brasil, dos Estados Unidos e da Europa. São mais de 20 anos de carreira e inúmeros títulos e recordes quebrados. Foi tricampeã da Libertadores Feminina com o São José de São Paulo.

Alguns dos troféus que a jogadora conquistou por clubes:

São Paulo

São José

Paris Saint-Germain

Hoje, Formiga, aos 43 anos, defende novamente as cores do São Paulo.

Brasileira

Mas é impossível separar Formiga da seleção Brasileira. Aliás, as histórias das duas se confundem com facilidade. E não só na categoria feminina, mas de forma geral, pois seus recordes ultrapassam os de qualquer um.

São 26 anos somente de Seleção. Iniciou em 1996, na Copa do Mundo disputada na Suécia. De lá para cá jamais ficou de fora. Hoje são 223 jogos com a camisa do Brasil (o último será hoje, em sua despedida) com 37 gols marcados. Este recorde a coloca acima do lateral Cafu, que é o atleta masculino que mais vestiu a amarelinha. https://www.cbf.com.br/selecao-brasileira/noticias/selecao-feminina/o-ultimo-ato-passeio-pela-trajetoria-de-formiga-em-fotos

Formiga viu várias gerações da amarelinha serem formadas, e fez parte efetivamente de todas elas. Em 2019, se tornou a primeira jogadora a atuar em sete Copas do Mundo, um recorde histórico (participou em 1995, 1999, 2003, 2007, 2011, 2015 e 2019). É a única jogadora de futebol a participar de seis edições das Olimpíadas (1996, 2000, 2004, 2008, 2012, 2016 e 2020*).

Foto: CBF – Site oficial

Outros de sues recordes que impressionam: É a jogadora mais velha a marcar um gol na Copa do Mundo feminina e a mais velha a participar de uma edição da competição.

Com a Seleção Brasileira conquistou:

*A Olimpíada 2020, foi disputada em Tóquio em 2021 por conta da Pandemia do Coronavírus.

Formiga se despede da Seleção deixando uma marca impressionante e que demorará a ser quebrada, se assim for.

Legado

Formiga, melhor do que ninguém, sabe de sua importância para o futebol feminino. Chegou a ensaiar o adeus da Seleção em 2016, cansada não fisicamente, mas mentalmente, de cobrar melhorias para a modalidade. Mas o amor pela camisa amarela foi maior, e ela voltou para a disputa da Copa América em 2018.


“Hoje compreendo o que nossa geração representa para a modalidade. Não conquistamos a Copa nem o ouro olímpico, mas, independentemente disso, eu me sinto uma vencedora. Alcançamos o respeito que tanto reivindicamos ao longo das nossas carreiras. Vou levar para sempre na memória a Marta me abraçando quando fomos eliminadas na última Olimpíada, dizendo que gostaria de viver mais uma vez a emoção de lutar por uma medalha do meu lado. Ou a Cris chorando em rede nacional pela nossa derrota. Ela ficou fora dos Jogos e poderia ter se afastado de tudo, mas estava ali torcendo pela gente, nos dando força. Eu teria vários nomes para citar, mas, se um dia alguém quiser escrever sobre a história do futebol feminino no Brasil, Marta e Cris estarão em destaque na página principal.”

Em entrevista ao The Players Tribute

Completa:

“Eu sinto que ajudei a plantar uma semente no futebol feminino. E que, em breve, as meninas desta e da próxima geração vão se beneficiar da colheita. Já é um orgulho enorme poder me despedir com essa certeza diferente, de que, por mais que a caminhada não seja fácil, nenhuma menina vai precisar sofrer o que eu sofri para jogar bola.”

A história de Formiga fala por si só. Sua vida é uma ode à superação. O patamar que a jogadora alcançou é espelho para muitas meninas que sonham em segui os passos dela. A admiração que conquistou por tudo que representa é imensurável. Várias personalidades do mundo da bola mandaram recados em homenagem à despedida da camisa 8 da Seleção Brasileira. O site oficial da CBF recolheu mensagens e transcreveu em uma bela postagem, que pode ser conferida aqui. Nomes coo Marta, Pelé, Cafu, Rapinoe, Alisson, Carli Lloyd, Cistiane, Endler, Daniel Alves, Duda Luizelli, Dunga, Galvão Bueno, Kaká, neymar, Roseli, Sissi, Tite entre outros.

Formiga deixará muitas saudades ao se despedir da Seleção. E sabemos que falta pouco para que siga este caminho no futebol. Mas mais do que nunca sejamos gratos por ter presenciado o seu surgimento e a sua apoteose.

Muito obrigado, Formiga!

Este texto foi desenvolvido pesquisando-se diversas páginas e redes sociais:
The Players Tribute
Goal
Confederação Brasileira de Futebol
Correio Brasiliense
Medium
Recanto
A imagem de capa é de autora da Thais Magalhães | CBF.
Sair da versão mobile