Ronaldo Koeman é o verdadeiro problema do Barcelona?

O clube espanhol enfrenta uma das piores crises internas de sua existência

A iminente demissão do técnico Ronaldo Koeman do Barcelona escancara ainda mais a crise interna que o clube vem enfrentado nos últimos meses. Depois de não conseguir renovar com o maior jogador de sua história alegando problemas financeiros, a já atribulada situação da equipe espanhola vem-se agravando ainda mais e repercute, sobretudo, dentro de campo.

Koeman não tem conseguido aplicar uma mentalidade ao time do Barcelona. É inegável que o holandês tem fracassado no comando técnico. Ficou mais evidente após duas derrotas por 3×0 na fase de grupos da Champions League esta temporada, para o Bayern, no Camp Nou e para o Benfica, em Portugal. O time não consegue um encaixe, com jogadores atuando muito abaixo do esperado, ou ainda não conseguindo cumprir as funções determinadas.

No entanto, além da falta de confiança no técnico, a torcida do Barcelona tem visto jogadores que antes não seriam cogitados no clube assumirem posições importantes, mas não de forma positiva. Jogadores que não tem o brilho a que o Barça é acostumado. Soma-se a isso a já queda de desempenho de antigos jogadores que eram pilares da equipe. Assim, tem-se a forma perfeita para a má fase!

O time de Koeman

O Barcelona sempre foi conhecido por revelar grandes talentos. Em sua história recente, alguns de seus principais jogadores vieram das categorias de base. Messi, Xavi e Iniesta são exemplos claros disto. Jogadores de classe mundial revelados pelo clube. É claro que houveram casos de grandes jogadores contratados, como Ronaldinho ou atualmente com Ter Stegen. E este é um fator importante, o Barcelona só buscava no mercado jogadores que chegaria para suprir as necessidades não encontradas no próprio clube.

Foto: Miguel Ruiz | FC Barcelona

Foi assim que o Barcelona se tornou, por anos, a equipe mais temida da Europa. Houve uma época, sob o comando de Guardiola e Luis Enrique, que o time era quase imbatível.

Vejamos o time campeão da Champions League de 2014-15, última conquista continental da equipe:

Ter Stegen; Daniel Alves, Piqué, Mascherano, Jordi alba; Busquets, Rakitic, Iniesta; Messi, Suárez, Neymar

Este time praticamente não possuía pontos fracos e contava com melhor trio de ataque do mundo na época (o famoso “MSN”), rivalizando somente com o ataque do rival real Madrid, que tinha Cristiano Ronaldo também em grande forma (o “trio BBC” – Gareth Bale, Karim Benzema e o português).

Agora vamos comparar com o time que fez a última partida da Champions, diante do Benfica:

Ter Stegen; Eric Garcia, Piqué, Araújo; Sergi Roberto, Busquets, Frenkie De Jong, Dest; Pedri, Memphis Depay, Luuk de Jong

Deste time, somente Ter Stegen, Piqué, Alba (em recuperação física) e Busquets ainda estão no clube. Com todo respeito aos jogadores, mas este time é muito inferior ao anterior.

Pode ser uma comparação injusta, e até concordo, mas o ponto aqui não é perceber em como o time do Barcelona, ano após ano, teve a sua qualidade técnica diminuindo.

Existe muito talento no atual elenco blaugrana, é inegável. A força do time está, com certeza, nas jovens promessas (e realidades) da equipe, mas os jogadores contratados estão longe de suprir as necessidades que o time precisa, como era feito antigamente. Arrisco-me a dizer que, em condições normais, alguns dos jogadores do atual elenco do Barcelona jamais seriam cogitados a vestir esta camisa, ainda mais para serem titulares (talvez como opção de banco, caso o time titular fosse parecido com o da última Champions League).

O atual elenco

Falando deste time atual, é injusto chamar estes jogadores de ruins, pois estão longe disso. Alguns deles, como Dest ou Memphis são atletas de qualidade que agregam muito a qualquer equipe. A diferença está nisso, não são jogadores capazes de definir um jogo por si só.

Memphis Depay, aliás, ao lado do lesionado Sérgio Agüero, foi a principal contratação do Barcelona na temporada. É um grande e talentoso atacante, mas que precisa de jogadores de qualidade parecida para sempre manter um nível alto de exibição. Quanto ao Agüero, todo mundo sabe do que ele é capaz, mas mal desembarcou em Barcelona e já se lesionou, ficando alguns meses de molho (fora a recuperação).

Foto: Miguel Ruiz | FC Barcelona

Dos pilares do time, os espanhóis que fizeram parte do elenco estrelado de 2014-15, nenhum deles consegue ter o mesmo desempenho de antes. Piqué, por exemplo, tem sido muito mais importante fora (falarei daqui a pouco) do que dentro do time. Busquests ainda tem sua importância por sua liderança e marcação dentro de campo, mas já não tem a mesma velocidade e desempenho. O único que ainda entrega, e muito bem, é Ter Stegen, um dos melhores goleiros do mundo, sem duvidas (e que tem salvado o Barcelona de piores desempenhos).

Outros jogadores tem qualidade duvidosa para o que os torcedores do time estão acostumados. Sergi Roberto nunca foi unanimidade, assim como a dupla de zagueiros Umtiti e Lenglet. No ataque, Dembélé poucas vezes foi condizente com seu esperado talento (além do tempo que fica lesionado) e Braithwaite e Luuk de Jong estão muito longe de serem grandes artilheiros. E por fim, Philippe Coutinho, que é uma verdadeira incógnita.

O valor mesmo fica com os atletas da base. O melhor deles, sem dúvida, é Pedri. O meio-campista, que fará 19 anos em novembro, tem talento de sobra e já é uma realidade no futebol espanhol. Tanto que fez parte do time medalha de prata nos Jogos Olímpicos deste ano e foi titular em grande parte dos jogos da Eurocopa. Pedri é um jogador que tem tudo para evoluir cada vez mais. Tem grande visão de jogo, sabe trabalhar bem a bola, com toque rápido e inteligente. Um bom exemplo de jogador que o Barcelona costuma revelar.

Além de Pedri, Ansu Fati é outro jogador jovem (fará 19 ainda este mês) com qualidade suficiente para ser titular. Ficou 11 meses fora por lesão, mas logo no jogo da volta já demonstrou que o talento continua em dia. Eric Garcia (21 anos. Também fez dos elencos da Seleção Espanhola, como Pedri), Riqui Puig (22 anos), Gavi (17 anos) são outros talentos que já se apresentam em condições de titularidade.

Frenkie de Jong (24 anos), Sergiño Dest (20 anos) e Ronald Araújo (22 anos) são alguns dos lantes que o clube tem e nçao foram revelados (lembrando que o Eric Garcia citado anteriormente, sai da base do Barcelona e esteve algumas temporadas no Manchester City).

Foto: Miguel Ruiz | FC Barcelona

Em suma, o time do Barcelona não é ruim, e brigará, sem dúvida, pelas fases superiores da tabela, caso tenha todo mundo à disposição. Falta coesão e jogadores que possam desequilibrar uma partida, sobretudo quando em desvantagem.

Crise extracampo

Ronaldo Koeman declarou que, após a saída de Messi, os problemas que eram mascarados pela presença do argentino, vieram à tona:

“Messi disfarçou tudo. Ele era muito bom e ganhava. Claro que havia bons jogadores ao seu redor, mas ele fazia a diferença. Graças a ele, todos pareciam melhores. Sua saída acabou escancarando os problemas da equipe. Isso não é uma crítica, mas apenas uma observação.”

Ronald Koeman, em entrevista ao jornal holandês Voetbal Internacional

Este é um reflexo da má relação do técnico com o elenco e com a diretoria. Aliás, a diretoria tem sido a atenção principal dos torcedores depois da declaração do presidente sobre as dívidas do clube, que ultrapassam os 1,5 bilhão de euros e foi estopim para a não renovação de Messi.

Por meio de uma entrevista coletiva no dia 16 de agosto, o presidente do Barcelona Joan Laporta, descrita pela Gazeta Esportiva, concedeu entrevista coletiva apontando os problemas financeiros do clube, herdados da gestão anterior, presidida por Josep Maria Bartomeu (a entrevista completa pode ser conferida abaixo):

“Encontramos um contexto de uma política esportiva errônea que causa danos à entidade. É uma pirâmide invertida, na qual os veteranos têm contratos longos e os jovens têm contratos curtos. E é difícil renegociar contratos. Essas reduções salariais que os gestores anteriores se vangloriaram, uma redução de 68 milhões de euros, mas na realidade não é redução porque a encontramos na forma de bônus de rescisão de contrato.”

Para tanto, alguns dos principais jogadores, como os capitães Piqué Alba, Busquets e Sergi Roberto aceitaram reduzir seus salários de forma a ajuda o time durante a crise. Em entrevista, piqué ainda disse:

“Tenho mais feeling com Laporta do que com Bartomeu. Vários jogadores se sentiam enganados por Bartomeu. Com Jan, há mais tratos. Ele está colocando ordem, existem hierarquias que faltavam no passado.”

Reprodução do site ESPN

O zagueiro Gerard Piqué, em entrevista após a vitória do Barcelona sobre a real Sociedad em agosto, concedeu uma entrevista ao Movistar LaLiga e Barça TV em que explica novamente que aceitou a redução salarial, juntamente com outros jogadores do clube já citados, para que atletas como Memphis Depay e Eric Garcia pudessem ser inscritos na La Liga. A entrevista completa pode ser vista clicando aqui (em espanhol).

Apesar disso, o presidente Laporta mantem-se otimista sobre a situação do clube e acredita que conseguirá sanar os problemas.

O jornalista Rodrigo Capelo, uma das referências brasileiras quando se fala de finanças no futebol, destacou no GloboEsporte.com que os problemas do time espanhol foram se agravando nos anos anteriores, e que a pandemia ajudou a diminuir a receita (o que aconteceu com diversos clubes do mundo). Apesar disso, o Barcelona ainda é a equipe que detém o maior faturamento do mundo.

No excelente texto de Capelo, que vale a pena ser conferido para entender os detalhes dos problemas, entendemos que boa parte do endividamento do Barcelona prove de empréstimo bancário. O clube teve de recorrer às instituições financeiras por conta da redução de receita, decorrente da pandemia.

Ainda segundo a publicação de Capelo, em apenas uma temporada o endividamento bancário do clube catalão aumentou 206 milhões de euros. Com praticamente tudo a vencer no curto prazo.

Outra coisa que salta aos olhos na análise do Globo Esporte é a forma como o clube gastou o dinheiro. Muitas contratações a vencer no curto prazo, inclusive com clubes brasileiros como Atlético-MG (Emerson Royal), Grêmio (Arthur) e Palmeiras (Matheus Fernandes). Inclusive vários destes jogadores nem sequer estão no elenco do Barcelona mais, como são os casos dos três brasileiros citamos, e também de Malcom, Pjanic e Trincão (estes dois últimos ainda pertencem ao clube, mas foram emprestados).

Caso Messi

É complicado tentar explicar a situação que levou Messi a eixar o Barcelona. O jogador estava descontente com a direção há algum tempo. Na temporada passada ele tentou ser negociado com o Manchester City e voltar a trabalhar com Pep Guardiola, mas como ainda estava sob contrato e sua multa bastante alta, não houve negociação. Messi jogou e, como profissional, honrou seu contrato com o clube. Chegando o final da temporada, no entanto, seu desejo foi de renovação.

Acontece que, apesar de informações de que Messi aceitaria reduzir seu salário para seguir em Barcelona, o clube citou “obstáculos econômicos e estruturais” para a não renovação. O Barcelona está passando por um processo necessário de redução de sua folha salarial para atingir o limite imposto pelo Campeonato Espanhol.

De acordo com o presidente da La Liga, o faturamento total do clube menos os gastos com o time profissional devem sempre ser positivos. Com isso, devido a alta folha salarial (e a crise explicada anteriormente), o Barcelona precisava negociar jogadores se quisesse inscrever novos atletas para a temporada atual (o que, inclusive acabou sendo feito, como explicado anteriormente).

A publicação da IstoÉ Dinheiro mostra que os problemas do Barcelona também foram desencadeados desde a saída de Neymar para o Paris Saint-Germain (time para o qual Messi se transferiu).

O texto, de forma resumida, mostra como o time foi mal gerido na gestão de Josep Maria Bartomeu. É mais uma leitura recomendada para entender melhor os motivos da saída de Messi.

Foto: Barcelona FC

É importante lembrar, como descreve o texto da IstoÉ Dinheiro, que “Bartomeu foi preso em março deste ano, em seu escritório no estádio Camp Nou, junto com o diretor jurídico Rumo Gómes Ponti e o ex-assessor da presidência do clube, Jauma Massafer. O “Barçagate” investiga a contratação de uma empresa que tinha por objetivo difamar quem fazia oposição a seu mandato no clube.”

Respondendo ao título

A capacidade de Ronald Koeman como treinador parece não ser mais suficiente para levar o time ao nível que se espera dele, ou pelo menos recuperar o que já foi perdido. O Barcelona está na sexta colocação da La Liga e é o lanterna do grupo da Champions League com duas derrotas e seis gols sofridos em dois jogos. A temporada anterior já havia sido ruim, mesmo contando ainda com Messi. Agora, sem o Argentino, que fechou com o PSG, a situação é ainda mais complicada.

Koeman não deve durar mais que algumas semanas, mas o substituto deve, acima de tudo, saber aproveitar os jovens jogadores e tentar recuperar os principais nomes e líderes. Mesmo com tudo isso, contratações de peso são improváveis.

A ideia seria te rum técnico que possa iniciar um projeto de médio prazo. Alguns nomes ventilados são o de Andrea Pirlo, que teve experiência na Juventus e não foi muito bem; A direção estaria analisando nomes como Xavi Hernández, ídolo do clube e está n Al Sadd; Robert Martínez, que faz bom trabalho na seleção belga; e Marcelo Gallardo, um dos melhores treinadores da América do Sul, multicampeão com o River Plate.

A situação de Ronald Koeman é sim um problema, mas agravada pela crise financeira que que o Barcelona vem enfrentando. Até a própria demissão do trinador pode estar sendo adiada por questões financeiras, já que a multa contratual beira os 12 milhões de euros, como explica o site Trivela. Além do mais, não é qualquer treinador que aceitará assumir esta responsabilidade e, talvez, o que aceitar não saberá lidar com o momento do clube. Enfim, o clube precisa de uma troca “eficiente” de técnico com urgência, mas deve também minimizar os problemas fora de campo.

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